Opinião: Casual Friday | A.C./D.C. (2º Volume)
“Ficámos melhores? A culpa foi da COVID? Tenho as minhas dúvidas. Mas uma certeza: há quem continue a trabalhar para um futuro melhor. Nas escolas, nas juntas, nos grupos de vizinhos, nos projetos culturais, nas redes de apoio informal.”
Antes da Covid e Depois da Covid: Cinco Feridas Políticas e Sociais
Este é o segundo texto de uma série pessoal sobre o Mundo pós-COVID. No primeiro, falei sobre mudanças no dia a dia e no trabalho. Agora, trago os meus five cents (ou cinco feridas, visto que falamos de epidemia) sobre o que mudou na esfera política e social. É, mais uma vez, uma seleção subjetiva, claro. No próximo volume, espero falar do que mudou (ou não) no campo cultural e ambiental.
1. A confiança
Lembram-se de quando confiávamos nos governos? Pois, eu também já não tenho a certeza se isso alguma vez foi verdade. Mas durante os primeiros tempos da pandemia, houve um breve momento em que parecíamos todos do mesmo lado. Até porque, qual era alternativa? Durou pouco. As medidas erráticas, a politização da saúde e a comunicação confusa (UI! O que a OMS e a DGS andaram a dizer dia sim, dia não…) arrasaram o que restava de confiança institucional. Segundo o “Edelman Trust Barometer”, entre 2020 e 2023, a confiança nas instituições caiu a pique em mais de metade dos países analisados — e, com ela, o sentimento de segurança. A fatura foi não não só emocional como racional. E foi global.
2. A verdade
A verdade já andava bastante combalida antes do vírus. Mas a COVID foi o terreno ideal para que as teorias da conspiração passassem a ser as estrelas do palco. Do 5G à cloroquina, da negação à vacinação, passámos de um debate público para um universo paralelo de narrativas. O que é a verdade, pergunta-se. Cabe a cada um decidir (pasme-se), responde-se. Donde, em certos contextos, a verdade passou a ser opcional. E em muitos, um incómodo.
3. O corpo político
A democracia já vinha febril. A pandemia apenas agravou os sintomas: mais polarização, mais cinismo, menos paciência. Populismos aproveitaram a boleia do medo e converteram-no em capital eleitoral. A aparente boa notícia: as instituições resistiram. A má: resistiram por inércia, não por convicção renovada. E os políticos são alvo de ataque cerrado e sistemático. Por todos e também por outros políticos, que se dizem “não-políticos”.
4. O espaço público
Se já estávamos muito online, o confinamento selou definitivamente o contrato. As praças, cafés, parlamentos deram lugar aos “feeds”. Os debates tornaram-se “threads” (essas conversas em cadeia nas redes sociais onde se fala muito, mas pouco se ouve). A convivência perdeu o corpo físico. A discussão pública migrou para o digital, mas deixou para trás o contraditório. E sem contraditório, ficámos mais fechados, mais agressivos, mais certos de tudo. E mais: no espaço público “fisico” (os ainda resistentes parlamentos, praças e cafés), os debates imitam cada vez mais o digital, no insulto, desrespeito, ódio por quem tem opinião diferente.
5. A esperança
Houve um tempo em que se falava em “Build Back Better” ou “vamos sair disto mais fortes”. Lembram-se? SNS reforçado, mais ciência, mais empatia, mais futuro. Mas logo vieram outras crises, sobrepostas e sucessivas: Ucrânia, Inflação, Gaza, Habitação, Tarifas. O cansaço ganhou. E com ele, a sensação de que a esperança é coisa de outro tempo.
Conclusão
Ficámos melhores? A culpa foi da COVID? Tenho as minhas dúvidas. Mas uma certeza: há quem continue a trabalhar para um futuro melhor. Nas escolas, nas juntas, nos grupos de vizinhos, nos projetos culturais, nas redes de apoio informal. E mesmo nalgumas instituições formais. Talvez hoje o futuro esteja mais nas pessoas que, contra o cansaço, cinismo ou cepticismo, insistem em acreditar e cuidar. E nalgumas que ainda acreditam que vão mudar as instituições.
Aqui ficam os meus five cents. Pessimistas, bem sei. Pouco próprios de uma Casual Friday de Agosto… desculpem… Deve ser desta canícula.
Por Cristina Siza Vieira
É Vice-Presidente Executiva da Associação da Hotelaria de Portugal e uma das vozes mais influentes no setor turístico nacional. Todas as primeiras sextas-feiras de cada mês, Cristina Siza Vieira assina a coluna de opinião ‘Casual Friday’, trazendo a sua visão sobre os principais temas do setor do turismo e da hotelaria.