MENU

LOGIN

Casual Friday | O Elevador da Glória

Sabemos que a vida continua e que as feridas saram, deixando cicatrizes para aprendermos também com elas. Por Lisboa, por nós, portugueses de hoje e do futuro, pelos que nos procuram e visitam, é preciso serenidade para avaliar as causas, agir com rigor e celeridade e comunicar com verdade, rigor e transparência.

Não é sem custo que Lisboa é a cidade das sete bem-amadas colinas. Daí tantos e tão belos elevadores.

Antes de ser um cartão-postal de Lisboa, o Elevador da Glória foi concebido como uma solução prática para vencer uma das maiores barreiras topográficas da nossa Lisboa oitocentista: a íngreme Calçada da Glória. Um entre vários elevadores, todos da autoria do muito hábil e experiente engenheiro nascido no Porto (curiosamente, filho de pai francês, também engenheiro, que trabalhou na Invicta, ligado a projetos de vias férreas e pontes, no contexto da expansão ferroviária). São então do mesmo autor a Bica, o Lavra, o Santa Justa, os entretanto desativados elevadores da Graça e da Estrela, mas também o Bom Jesus e o antigo — e muito temporário (só funcionou 3 anos) — elevador dos Guindais, no Porto.

Todos foram concebidos como soluções práticas, que transformaram a mobilidade na cidade de forma suave e, hoje diríamos, “sustentável”. Obras arrojadas, belas (uma curiosidade: a cabine do elevador de Santa Justa era inicialmente iluminada por velas — uma beleza!) e, claro, atrações turísticas.

Das falhas históricas à tragédia de ontem

Ao longo dos anos, outras tragédias — como as ocorridas em museus, igrejas, teleféricos ou comboios turísticos — foram lembrando uma lição infelizmente repetida em várias geografias: a segurança nunca, mas nunca, é um detalhe. Aliás, recomendo que leiam a história de outro fundamental ex-libris da cidade, o Elevador de Santa Justa, e os muitos e diferentes, bem documentados, testes que se realizaram antes da sua abertura ao público, só para termos uma ideia de quão valorizada foi a segurança.

E vêm-me sempre à memória os horríveis acidentes em destinos de neve, por exemplo na Áustria (em 2000, um incêndio num funicular dentro de um túnel vitimou 155 pessoas, por falhas técnicas e ausência de medidas preventivas) ou em Itália (em 2021, um teleférico caiu devido ao rompimento de um cabo e à desativação intencional dos travões de emergência, resultando em 14 mortos). Não nos consolam, de todo! Antes demonstram que o perigo pode emergir onde menos se espera — mesmo em roteiros bem conhecidos e explorados.

No caso do Glória, essa lição já se tinha feito sentir em duas ocasiões. Em maio de 2018, um carro descarrilou por falta de manutenção adequada das rodas, revelando desgaste visível nos rodados — e a advertência técnica de um especialista: “Da próxima poderá não ser assim. É claro que houve aqui incúria.” Infelizmente, ontem a tragédia aconteceu com um resultado devastador.

Além da terrível e inconformada tristeza pela perda de vidas, fica também uma ferida pela tragédia que vai sempre marcar a história deste nosso querido símbolo de Lisboa. “Daquilo que está por baixo. Até ao que fica no alto. Vão dois carris de metal. Na calçada de basalto.” Assim começa “O Elevador da Glória”, ícone do rock português dos anos 80 e símbolo da vida urbana lisboeta, que os Rádio Macau imortalizaram.

Sabemos que a vida continua e que as feridas saram, deixando cicatrizes para aprendermos também com elas. Por Lisboa, por nós, portugueses de hoje e do futuro, pelos que nos procuram e visitam, é preciso serenidade para avaliar as causas, agir com rigor e celeridade e comunicar com verdade e transparência. Portugal é, e continua a ser, um destino seguro, moderno e com as melhores práticas. A confiança dos visitantes em Lisboa e em Portugal não será, por isso, abalada. E os profissionais do turismo português — e os lisboetas — são pessoas resilientes e acolhedoras que saberão, também agora, responder com responsabilidade e esperança.

PS: não era este o artigo que tinha preparado para esta primeira Casual Friday de setembro. Aliás, ia fechar o ciclo AC/DC. Mas esta tragédia atropelou-nos. E interpelou-me.

Por Cristina Siza Vieira

É Vice-Presidente Executiva da Associação da Hotelaria de Portugal e uma das vozes mais influentes no setor turístico nacional. Todas as primeiras sextas-feiras de cada mês, Cristina Siza Vieira assina a coluna de opinião ‘Casual Friday’, trazendo a sua visão sobre os principais temas do setor do turismo e da hotelaria.

in TNews

Voltar