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Opinião: “Sustentabilidade para que te quero?”

Por Cristina Siza Vieira, vice-presidente executiva da AHP

E de repente, o Mundo mudou. Em setembro de 2024, Mario Draghi entregou a Ursula Von der Leyen o que “já era antes de o ser”, um famoso relatório. Nele apresentou um diagnóstico: a Europa está doente porque está a ficar para trás em termos de escala, inovação e autonomia estratégica. Uma causa: demasiada regulação, pouca inovação, lentidão burocrática, e um investimento anémico. E uma terapêutica: uma mobilização massiva de investimento (750 a 800 mil milhões por ano) e uma dieta regulatória séria. Do outro lado, a Comissão Europeia (CE), como cuidadora do doente, comprometeu-se e apresentou a “Bússola da Competitividade” e anunciou uns pacotes OMNIBUS. Nem de propósito, em novembro Trump voltou à Casa Branca e soaram as campainhas de alarme do velho continente.

Donde, a CE apresentou em Fevereiro de 2025 o primeiro dos Pacotes OMNIBUS, com a promessa de tornar o quadro regulatório europeu mais leve, previsível e competitivo. Curiosamente, um esforço para limpar a casa regulatória que ela própria tem mobilado com muito zelo ao longo da última década. Não há como não o dizer: como em muitas outras matérias, a legislação europeia em matéria de sustentabilidade avançou incrivelmente depressa e sempre complicando mais e mais as obrigações de reporte das empresas. Criaram-se dezenas de iniciativas, acrónimos, diretivas, regulamentos — em silos , a precisar de guião e muitos especialistas para fazer leituras cruzadas. Mas nunca por nunca simples!. Agora, e mais uma vez (é que já houve vários “simplex”), lá se vem tentar cortar tanta palha.

a legislação europeia em matéria de sustentabilidade avançou incrivelmente depressa e sempre complicando mais e mais as obrigações de reporte das empresas.

Falamos, naturalmente, da necessidade – sim, necessidade- de simplificar a vida às empresas que têm de cumprir as obrigações de reporte de sustentabilidade impostas pela Directiva de Relato de Sustentabilidade Corporativa (CRSD) e pela Directiva de Diligência Devida em matéria de Sustentabilidade (CSDDD) e ainda, no campo de reporte, da alteração ao Regulamento de Taxonomia da UE (que, só pelo nome se percebe, é matéria apenas para “iniciados”).

Para terem uma ideia, o objectivo é reduzir os encargos administrativos em 25% para todas as empresas e em 35% para as PME. Note-se que só da aplicação da Diretiva de Relato de Sustentabilidade Corporativa (CSRD) são excluídas cerca de 80% das empresas anteriormente abrangidas. E quanto ao regulamento da Taxonomia (esse palavrão) as alterações propostas simplificam os modelos de relatos das taxonomia em quase 70% dos pontos de dados

Vejam bem o que isto significa de quão absurdo era este quadro regulatório. A Europa realmente tropeça nos seus próprios pés, ou dito de outra forma, cria regulamentos sem medir previamente o impacto que pode gerar na vida, donde competitividade, das empresas.

A Europa realmente tropeça nos seus próprios pés, ou dito de outra forma, cria regulamentos sem medir previamente o impacto que pode gerar na vida, donde competitividade, das empresas

Para muitas empresas, especialmente pequenas e médias, são boas notícias: menos carga administrativa, menos redundância, menos energia desperdiçada em relatórios difíceis de compilar e fáceis de ignorar.

De resto, vamos, reduzir a carga é indispensável, sensato e lógico. Poucas são as empresas, mesmo as bem-intencionadas, com meios e know how para responder a um quadro de reporte ESG cada vez mais complexo.
Por isso o Parlamento Europeu, logo no início de Abril, deu luz verde para prossecução do primeiro pacote OMNIBUS, e o Conselho da UE em 14 de abril aprovou uma Directiva com o simpático nome “Stop the clock”, que na prática adia dois anos o prazo de reporte para as empresas que permanecem a tal obrigadas e altera o âmbito das empresas obrigadas.

Mas este movimento de simplificação exige atenção — e, sobretudo, discernimento.

O OMNIBUS não altera as metas ambientais ou sociais da UE. Os compromissos do Pacto Ecológico Europeu- neutralidade carbónica em 2050 e a redução de emissões em 55% até 2030- mantêm-se.

O OMNIBUS não altera as metas ambientais ou sociais da UE. Os compromissos do Pacto Ecológico Europeu- neutralidade carbónica em 2050 e a redução de emissões em 55% até 2030- mantêm-se. O que está em causa é a forma como as empresas reportam a sua informação não-financeira, e a quem. Menos frequência, menos detalhe, menos abrangência: é esta a natureza da simplificação proposta.

Donde: temos, simultaneamente, de rastrear o esforço europeu em razão dos objetivos do Pacto, por um lado, e, por outro, assegurar que as empresas não morrem por ter de atravessar um inferno regulatório para serem verdadeiramente (verdadeiramente, sem green washing!) sustentáveis.

É aqui que o papel das empresas e dos decisores políticos se cruza.

Para os reguladores, a tarefa é legislar menos e melhor. Com coerência, previsibilidade e foco no impacto. Foco! Para as empresas, é tempo de abandonar a logica do check list e integrar o quadro ESG não como uma exigência externa, mas como uma ferramenta interna de gestão de risco, reputação e competitividade. Com outra simplicidade e critérios compreensíveis.

Para as empresas, é tempo de abandonar a logica do check list e integrar o quadro ESG não como uma exigência externa, mas como uma ferramenta interna de gestão de risco, reputação e competitividade

Para o sector do Turismo, o caminho passa seguramente pelo investimento muito sério e focado na sustentabilidade. Como meio de fazer crescer o negócio, em resultados que se medem também pelo good will, reputação, diferenciação, cuidado da comunidade e do planeta/local (lembram-se dos fundamentais do negócio? Location! Location! Location!)

PS: última mensagem: desliguem o complicómetro mas não percam o rumo.

in Ambitur

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