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Alojamento Local e o pacote Mais Habitação. Que tal fazer primeiro os trabalhos de casa?

A proposta de lei apresentada pelo governo que se encontra em apaixonada discussão pública reza assim, no nº 1 do seu artigo 1.º: "A presente lei estabelece medidas com o intuito de garantir habitação para todos". Que bela declaração de intenções! Que belos princípios e valores estão contidos nessa afirmação programática. E que belo prenúncio de frustração...

Se bem que assente numa constatação verdadeira - há escassez de casas para viver em Portugal, em certas localidades entra pelos olhos dentro, seja pelo preço; pela maior e diferente procura; porque não há construção sistemática e organizada há muito - e, se bem que algumas medidas sejam claramente boas e necessárias, na globalidade o pacote legislativo é mau.

E é particularmente péssimo no que toca às propostas feitas para o Alojamento Local (AL). Isto porque padece de 4 ignorâncias fatais.

Primeira e mais grave, pelos impactos sobre o investimento. A lei portuguesa do AL tem uma bizarria: enquadra nesta figura, criada em 2008, os estabelecimentos de hospedagem, entre os quais os Hostels. Ou seja, tanto é AL o quarto de sua casa que a Sra. Miquelina aluga na Nazaré aos surfistas; como o apartamento que o Sr. Severo tem em Albufeira e que aluga a uma família inglesa 15 dias por ano; como a Guest House em Alcochete; como o Bed & Breakfast em Coimbra; como o bloco de 9 apartamentos com serviço de receção, limpeza e pequeno-almoço, no centro de Lisboa; como o Hostel com 200 camas na Baixa do Porto. Ou seja, a lei portuguesa é um verdadeiro "albergue espanhol": tudo quanto não caiba no leque dos empreendimentos turísticos, convencional e há muitos anos congelado artificialmente, vai para o AL.

Portanto, todas estas realidades são, à luz da lei portuguesa, AL. Seguramente o governo desconhece esta situação. Ou não teria proposto tão radicais medidas para todos, desde a caducidade das licenças, ao arrendamento "forçado" para habitação, às penalizações fiscais.

Segunda ignorância: confunde zonas de veraneio com zonas urbanas, sendo totalmente diferentes a realidade, o perfil da procura e o mercado em que se inserem.

Terceira: presume que o AL se pode converter em habitação e assim satisfazer a procura tal como se encontra. Basta pensar em Hostels e nos micro-estúdios. Convertê-los em habitação?!

Quarta, e desculpe o legislador, de palmatória ignorância: esquece que a Assembleia da República em 2018 (a lei é bastante deficiente, mas, hélas, algumas coisas não são assim tão más) já conferiu aos municípios o poder/dever de monitorizar a realidade do AL e aprovar regulamentos que delimitem áreas de contenção para o mesmo, áreas essas que o Turismo de Portugal e o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, monitorizam e acompanham. Tal como confere muito mais poderes aos condomínios (poderes esses que a jurisprudência, e bem, veio reforçar).

Estas ignorâncias são fatais, não só porque sendo cegas geram impactos injustos e desadequados, como não tratam do verdadeiro problema. E sim, há em certas zonas um verdadeiro problema de excesso de AL, que stressa comunidades locais e compromete a identidade e equilíbrio dos destinos turísticos. E gera pressão sobre os preços da habitação.

Mas primeiro há que fazer o trabalho de casa. Começando por retirar do AL realidades que são verdadeiramente hotelaria. Não é porque têm um "S" no meio que os Hostels não integram a indústria do alojamento turístico coletivo. Com todas as obrigações e direitos.

Depois distinguindo zonas urbanas das zonas de veraneio. Nestas, apartamentos (muitas vezes segunda habitação de particulares) que entram periodicamente no mercado (sobretudo via Airbnb) e até respondem à procura de famílias portuguesas que, sem eles, não iriam de férias para hotéis, não podem ser excluídos do AL. Nem penalizados. E se forem excluídos ou penalizados vão passar para o mercado paralelo, sem regras nem impostos, onde aliás já estiveram.

Finalmente, deixar de facto as Câmaras Municipais trabalharem as realidades locais, porque o mesmo figurino não serve a todo o país.

Enfim, haja bom senso e, sobretudo, antes de intervir, mais estudo.

P.S.: Li e ouvi que o presidente da Associação do Alojamento Local de Portugal disse que as dormidas neste tipo de alojamento representavam 42% das dormidas totais, 50% em Lisboa e 60% no Porto. Não sei qual a fonte, mas se assim fosse deveríamos estar todos imensamente preocupados. Tal significaria que todos os demais estabelecimentos - hotéis; aparthotéis; aldeamentos turísticos; conjuntos turísticos; turismo de habitação; agroturismo; turismo rural e parques de campismo - representariam apenas 58% das dormidas. A loucura! Felizmente não é assim. Segundo dados do INE/travel BI, em 2022 a hotelaria grosso modo representou 82% das dormidas; o turismo rural e o de habitação, 4%; e o AL 14%.

Vice-presidente executiva da Associação da Hotelaria de Portugal

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