A febre hoteleira
Numa altura em que meio mundo anda a descobrir Portugal e em que, nos centros de Lisboa e do Porto, os habitantes já reviram os olhos a tantos turistas, vale a pena centrarmo-nos nos milhões para perceber como este setor tem empurrado o País para fora da crise - à boleia dos 21,1 milhões de estrangeiros que nos visitaram em 2018, foram faturados por dia 45 milhões de euros, uma média astronómica de quase 2 milhões de euros, por hora, gastos em hotelaria, restauração, comércio, serviços, cultura...
Os dados foram adiantados por Cristina Siza Vieira, presidente-executiva da AHP - Associação de Hotelaria de Portugal (ver entreuista nestas páginas), durante a apresentação da radiografia do setor na BTL (Bolsa de Turismo de Lisboa), que decorreu neste mês na FIL, em Lisboa. Um fluxo com tal impacto na economia que, nos últimos quatro anos, foram criados 100 mil empregos. "Ou seja: um em cada quatro postos de trabalho em Portugal são no Turismo", destacou a secretária de Estado Ana Mendes Godinho, aquando da apresentação da edição 2019 da Bolsa de Empregabilidade, uma plataforma em que se concentram mais de 10 mil vagas disponíveis no setor.
E a hotelaria esfrega as mãos, multiplicando a oferta de espaços e apostando na renovação de outros. Contas da AHP mostram que, só no ano passado, foram inauguradas 26 unidades em todo o País, verificando-se ainda mais 18 renovações. Este ano, a perspetiva é que abram 65 hotéis (mais 5 470 quartos), a que se juntam outras 15 remodelações (mais 986 quartos).
Um estudo da consultora CBRE, a que a VISÃO Imobiliário teve acesso, estima para 2019 um "acréscimo na oferta anda mais significativo do que o observado em 2018, com um adicional de 900 quartos, em Lisboa, e de 650 no Porto".
Além da construção de novas unidades, começa também a verificar-se, de forma mais evidente, o interesse dos investidores, principalmente internacionais, na aquisição de hotéis como ativos de rendimento, salienta Duarte Morais Santos, responsável pelo departamento de hotelaria da consultora CBRE.
"O interesse dos investidores institucionais, como fundos de pensões, e das seguradoras, que têm verbas específicas para investirem em hotelaria, tem vindo a crescer gradualmente. Começou a consolidar-se em 2017 e em 2018 e, este ano, ainda mais se fará notar", diz o responsável da CBRE, lembrando que, "à medida que Portugal é percecionado como uma economia madura, mais capacidade de atração terá junto das instituições internacionais".
Em 2018, segundo o relatório da CBRE, "foram transacionados 12 hotéis, tendo sido metade adquirida por investidores [e não por operadores hoteleiros], num investimento de 360 milhões de euros". Destes, destacaram- -se quatro unidades de cinco estrelas, nomeadamente o Penha Longa Resort, em Sintra, o InterContinental Palácio das Cardosas e o Maison Albar Hotels Le Monumental Palace, ambos no Porto, assim como o Reid's Palace, na Madeira, integrado na venda da cadeia Belmond.
ENCONTRAR NOVOS DESTINOS
Eurico Alves, do departamento de pesquisa e consultoria da Worx, reforça esta tendência, lembrando que a escassez de ativos está a levar também os investidores a apostarem em hotéis mais pequenos. "O mercado hoteleiro, em Portugal, estava muito assente em cadeias familiares mas, nos tempos mais recentes, temos visto grandes marcas internacionais a comprarem hotéis locais e a fazerem o seu rebranding. Um bom exemplo é o antigo hotel do Parque Eduardo VII, que agora é um IBIS", refere.
Outro exemplo, anunciado na semana passada, foi a aquisição, por €3,5 milhões, do hotel Sweet Residence & Gardens, na Figueira da Foz, pelo grupo Younan Collection. A cadeia hoteleira, com vários hotéis boutique em França no seu portefólio, vai investir mais três milhões de euros para transformar o Sweet Residence no Malibu Foz Hotel, com 94 quartos e suítes, tendo a abertura prevista para junho de 2019.
Este será o primeiro de muitos investimentos, segundo Zaya S. Younan, presidente e CEO do Younan Collection, que fala num montante de 50 milhões de euros para investir.
"Faz parte do nosso plano geral de negócios ampliar a nossa marca global de luxo, fora de França. E Portugal é um importante mercado estratégico.
No decorrer do ano de 2019, esperamos fazer várias aquisições para expandir a nossa marca de hotéis, controlando o mercado de quartos e de serviços de luxo em Portugal", referiu o responsável, acrescentando que o grupo está à procura de potenciais negócios em Lisboa, Porto, Braga e outras localizações-chave.
Para já, são as marcas nacionais que continuam a dominar o mercado da promoção de novas unidades hoteleiras. É o caso do grupo Vila Galé que faz parte deste conjunto de investidores e que, só este ano, conta abrir mais três novos hotéis, o primeiro dos quais a inaugurar já no dia 1 de abril - o Vila Galé Douro Vineyards. Um agroturismo que começa com apenas sete exclusivos quartos, restaurante com cobertura panorâmica, adega e uma piscina infinita, com vista para o Douro e para as vinhas do grupo, que irá estrear-se na produção de vinho com a marca Vai Moreira. Numa segunda fase, já em 2020, a unidade passará a ter 49 quartos, num investimento de 10 milhões de euros.
Volvidos dois meses, abrirá portas o Vila Galé Collection Eivas, um hotel de quatro estrelas, inspirado nas fortificações portuguesas pelo mundo, com 81 quartos. Vai resultar da reabilitação do antigo Convento de São Paulo, no centro histórico da cidade, e será o primeiro projeto a ser inaugurado no âmbito do programa Revive, num investimento de 8 milhões de euros.
Já para o final do ano, deverá estar pronto o Vila Galé Serra da Estrela, o primeiro hotel do grupo num destino de neve e de montanha. Orçado em 10 milhões de euros, o quatro estrelas será instalado em pleno vale glacial do Zêzere, junto ao viveiro de trutas, em Manteigas, e terá cerca de 90 quartos, piscina exterior panorâmica aquecida, restaurante, spa Satsanga e salão de festas.
A aposta em localizações mais periféricas é uma estratégia do grupo para diversificar o seu portefólio. "Poderão não ser tão óbvias nem estarem ainda consolidadas enquanto destinos turísticos, mas têm muito potencial e atributos que atrairão quem nos visita e, dessa forma, distribuirão melhor os turistas pelo território e aliviarão regiões que, eventualmente, estejam mais pressionadas", explica Gonçalo Rebelo de Almeida, administrador do grupo Vila Galé. Para este responsável, "o futuro do turismo também passará muito por propor novos destinos, novas vivências, novos produtos. Com isto, combatemos a sazonalidade, incentivamos a maiores estadas médias e convidamos quem nos visita a voltar, porque haverá sempre sítios novos para ver e experiências a viver".
O POTENCIAL DA MARGEM SUL
A apostar igualmente em locais fora dos habituais circuitos turísticos está o grupo Libertas, através da sua unidade de negócios StayUpon. No ano passado, abriu o Praia do Sal Lisbon Resort, com 110 apartamentos turísticos, em Alcochete. Edificado numa zona natural de grande beleza, numa área limítrofe às salinas do Samouco e à reserva natural do estuário do Tejo, o Praia do Sal Lisbon Resort está a criar um novo destino na Margem Sul. "Até já há quem esteja a desistir das férias no Algarve para atravessar apenas a ponte, ficar a meia hora de casa mas a desfrutar de toda esta Natureza", graceja Cécile Gonçalves, diretora da StayUpon.
Com o estatuto de parceiro oficial da autarquia para a divulgação deste novo destino turístico, o grupo tem vindo a estruturar a oferta de experiências na região, as quais vão além do já afamado circuito da restauração, que inclui também passeios a cavalo, trilhos para bicicletas e caminhadas para observação dos flamingos e outra fauna na reserva natural.
"Há um potencial muito grande nesta zona e que nós queremos mostrar.
Mas, além da componente de lazer, também há um mercado corporate interessante, que vem do Freeport e da plataforma logística, por exemplo, e que nos permite esbater a sazonalidade", diz a diretora da StayUpon, marca que tem ainda outra unidade em Lisboa, junto ao Estádio da Luz.
A experiência está a ser tão positiva que, na altura de procurar novas oportunidades para diversificar o portefólio, a Margem Sul voltou a pesar: o grupo ganhou o concurso feito recentemente pela autarquia do Seixal para explorar o futuro Hotel Mundet, localizado na antiga fábrica de cortiça, na zona ribeirinha do concelho.
"Vamos ocupar a área onde antigamente se localizavam os escritórios e o refeitório daquela que foi uma das maiores fábricas de cortiça do País e que fechou na década de 80. A autarquia comprou este ativo, porque concentra uma parte importante da história da localidade. Cada seixalense deve ter tido um familiar ou um conhecido que ali trabalhou", conta Cécile Gonçalves. O Hotel Mundet, com abertura prevista dentro de dois anos, vai manter o conceito da cortiça. O espaço remanescente do complexo fabril está a ser gerido pela câmara e nele está incluído um núcleo museológico.
A poucos quilómetros, também na Margem Sul, os dois hotéis do complexo Tróia Resort (Aqualuz Tróia e Tróia Residence) consolidam a sua posição, mas o grande foco de interesse da Sonae Capital, proprietária das unidades, é, atualmente, apostar em força nos centros históricos de Lisboa e do Porto. No início deste ano, a empresa do grupo Sonae bateu a concorrência e recebeu da Infraestruturas de Portugal a adjudicação da subconcessão para instalar um hotel de quatro estrelas, com 120 quartos, nos nove mil metros quadrados da zona sul e poente do edifício da Estação Ferroviária de Santa Apolónia, em Lisboa. O investimento de 12 milhões de euros assegurará a abertura da unidade para o primeiro semestre de 2021.
Sem adiantar muitos pormenores, Pedro Capitão, diretor de hotelaria na Sonae Capital, confirmou que o grupo está a olhar para vários imóveis no centro histórico de Lisboa e na frente ribeirinha do Porto. "Tudo dependerá das oportunidades que nos surgirem, mas a nossa linha de crescimento está traçada para essas localizações, com maior incidência no mercado de lazer e em dimensões acima dos 100 quartos", sintetiza.
Atualmente, o negócio de hotelaria da Sonae Capital conta com cinco unidades hoteleiras em exploração, das quais três no Porto (Porto Palácio Hotel, The House Ribeira Hotel e The Artist Porto Hotel & Bistro) e duas em Tróia (Aqualuz Tróia e Tróia Residence).
São movimentações dos grandes grupos hoteleiros que, apesar dos desafios do setor, acreditam que a onda do turismo veio mesmo para ficar. Ou não fosse Portugal um campeão das distinções turísticas, ganhando lá fora tantos e tão diversificados prémios que os próprios portugueses começaram a olhar para o País com outros olhos.
in Visão