O IVAucher deve ser usado apenas nos dias úteis e excluir os fins de semana?
Duelo
0 IVAucher é uma medida de apoio à economia criada pelo Governo para apoiar alguns sectores. Mas o tema não é unânime
SIM
Branca Pereira, Vice-presidente da Pro.Var
Decorridos 15 meses de pandemia, estamos perante o pior período económico de que há memória para o sector da restauração. O volume de negócio teve uma quebra, só em 2020, de cerca de €3 mil milhões e perderam-se cerca de 20 mil empregos. Para responder a estas elevadas perdas de faturação e dívidas acumuladas serão necessárias medidas adequadas, que possam alavancar de forma imediata e contundente todo um sector.
A descida do IVA, nomeadamente a descida da taxa das comidas de 13% para 6%, se implementada, terá um efeito imediato, com repercussões para os próximos anos, será o melhor apoio e poderá garantir a retoma do sector sem discriminar nenhuma empresa, mantendo as regras de sã concorrência e uma política fiscal justa e não discriminatória. 0 Governo optou por outra solução, o IVAucher, uma medida para estimular a economia nos sectores mais afetados. A escolha serve o alojamento e a cultura, mas fica pelo “quase” na restauração, pois, acima de tudo, serve os consumidores. Em nada se compara com o sucesso do plano de apoio à restauração que foi implementado no Reino Unido, esse, sim, com forte impacto no sector: os britânicos podiam enviar metade da conta, até 10 libras por refeição, para o Ministério das Finanças pagar, mas os portugueses terão que confiar nas finanças, numa entrega postecipada de um valor em formato de voucher do crédito do IVA acumulado, para ser usado apenas no último trimestre deste ano. Os empresários da restauração preferiam que o seu uso fosse limitado de segunda a quinta-feira. Então e que diferença faz usar
o voucher à semana, ao fim de semana ou todos os dias? Nenhuma para o consumidor, que assim poderá usá-lo em qualquer dia sem alterar os hábitos de consumo, talvez, quiçá, sem gastar mais qualquer euro. Seria bem diferente se fosse induzido a fazê-lo à semana, de segunda a quinta, talvez para visitar aquele restaurante e desfrutar daquela refeição que nunca aproveitou, talvez para voltar mais vezes à semana, ajudando o tal restaurante ou procurando novos e belos restaurantes. Sim, ser amigo dos restaurantes é, afinal, escolher aquele dia mais calmo e com menos clientes, poder encontrar bons motivos de cultura e boas experiências em hotéis. Neste momento tão complicado, direi mesmo dramático para a restauração, temos que reconhecer e proteger a importância da gastronomia tradicional portuguesa enquanto elemento económico, social e cultural, unir de forma harmoniosa os diferentes saberes, sabores e odores que a caracterizam e representam, um todo de um conjunto de memórias de uma comunidade. Neste período pós-confinamento, os clientes adquiriram novos hábitos sem dar conta. A refeição é feita agora em casa ou na empresa, uma nova realidade, que retira de forma muito significativa os clientes das salas dos restaurantes. Medidas de estímulo ao consumo, como o uso dos vouchers à semana, precisam-se!... E se estas não vierem da tutela, que sejam os portugueses a seguir esta opção. Estarão certamente a contribuir para o garante da nossa gastronomia e dos postos de trabalho. O seu restaurante do costume agradece.
NÃO
Raul Martins, Presidente da AHP
Na perspetiva da hotelaria, devemos analisar este incentivo ao consumo turístico com entusiasmo muito moderado. Por um lado, porque esta medida visa apenas o consumo interno, e a hotelaria não vive sem o turismo internacional, que tem crescido não apenas em volume de hóspedes mas, mais importante, em valor. Em 2019, os 49 milhões de hóspedes internacionais que estiveram em Portugal representaram €19 mil milhões de receita, num crescimento homólogo de 8%.
Para a AHP — Associação da Hotelaria de Portugal, é, por isso, fundamental que existissem medidas de apoio e estímulo à economia turística, que seriam mais simples e dirigidas à captação e retenção do turismo internacional, designadamente a comparticipação direta ao cliente de parte das passagens aéreas para estadas superiores a sete dias, campanhas em unidades de alojamento com oferta de uma noite para estadas iguais ou superiores a três dias e entradas gratuitas em museus e outras atrações durante dois anos. Estas medidas foram por nós propostas ao Governo no plano SÓS Hotelaria, em fevereiro de 2021.
Por outro lado, ainda temos no horizonte muitas incógnitas sobre como vai ser 0 consumo da hotelaria pelo mercado nacional neste ano.
Dito isto, e falando da medida em concreto, porque estamos a entrar na época alta, em que as famílias, por norma, consomem mais, as medidas que estimulem 0 consumo turístico e cultural são positivas. Acresce que a nossa expectativa, sustentada, como estamos a ver, nas indicações dadas pelos mercados europeus, nossos principais emissores — de que o Reino Unido foi agora um infeliz exemplo —, e noutros mais longínquos de crescente importância, como o Brasil e os EUA, é que o mercado interno vai ser neste verão e até ao final do ano 0 nosso “balão de oxigénio”.
E a possibilidade de, nos três meses seguintes ao consumo do serviço/produto, parte do IVA do mesmo poder ser descontada em serviços análogos é, sem dúvida, interessante, precisamente porque esse desdobrar do consumo vai coincidir com a época baixa no turismo (outubro a dezembro).
É por isso que, no entender da AHP — Associação da Hotelaria de Portugal, a utilização do IVAucher deve ser efetuada também aos fins de semana. Sobretudo em sectores como a hotelaria e a cultura, onde os fins de semana são os períodos naturalmente mais fortes de toda a semana, onde as pessoas consomem mais e em que, naturalmente, irão utilizar mais os descontos acumulados.
Em suma, ainda que esta medida não seja suficiente para fazer crescer muito mais 0 consumo interno, é mais um incentivo, por isso importante.
Daí também dever ser aplicada nos sete dias da semana, sem constrangimentos, tal como está previsto pelo Governo. Nem faria sentido ser de outro modo.
in Expresso