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Hoteleiros vs Hosteleiros?

A AHP – Associação de Hotelaria de Portugal debateu na passada quarta-feira, no âmbito do seu Almoço de Associados, as diferenças e semelhanças entre hotelaria e “hostelaria” e os desafios e impactos do alojamento turístico nas cidades portuguesas. Para isso convidou Miguel Simões de Almeida, fundador & CEO da AlmaLusa Hotels, e Bernardo D’Eça Leal, co-fundador do The Independente Collective, ambos administradores de unidades de Alojamento Local associadas da AHP, para um debate moderado por Cristina Siza Vieira, presidente da Direção Executiva da mesma associação.

ALOJAMENTO HOTELEIRO vs ALOJAMENTO LOCAL – O ESTADO DA ARTE

Cristina Siza Vieira começou por traçar o estado da arte da oferta hoteleira em Portugal em contraponto com a do alojamento local, referindo que, a nível nacional, o número de camas de unidades de alojamento local registadas no RNAL é já superior ao total de camas em hotéis registadas no RNET (241.980 versus 204.475).  Um fenómeno sobretudo urbano, que tem tido um crescimento mais expressivo nas cidades de Lisboa e Porto, onde a oferta de camas em alojamento local é superior em 36% e 63%, respetivamente, ao número de camas hoteleiras.

A responsável referiu, ainda, o caso de Faro, onde as camas de unidades de Alojamento Local registadas ultrapassam o dobro das camas hoteleiras (101.200 versus 41.600), fruto do “processo de reclassificação que decorreu da lei do Alojamento Local de 2008. Aí falamos sobretudo de uma alteração da nomenclatura não havendo, portanto, uma alteração substancial da oferta, como se tem verificado nas cidades”.

 

 

SUAVIZAR A PRESSÃO TURÍSTICA

Recordando uma declaração de Raul Martins, Presidente da AHP, Cristina Siza Vieira notou ser pacífico que “não se pode transformar toda a cidade em alojamento turístico”, ainda que, de acordo com Bernardo D’Eça Leal, o centro da cidade de Lisboa, por exemplo, seja muito mais extenso do que aquele que é habitualmente explorado: “O centro histórico, para mim, vai desde Belém a Marvila, mas é pouco vendido dessa forma, pelo que ainda há muito para trabalhar ao nível de marketing e comunicação. Sob este prisma estamos longe de alcançar a saturação e temos, inclusive, que tirar as pessoas de Lisboa para outras regiões, que são tão próximas mas tão diversas”.

HOTEL VS HOSTEL: A QUESTÃO DO LICENCIAMENTO

Mas o que leva, afinal, um hoteleiro a investir numa unidade de alojamento local? No caso de Miguel Simões de Almeida o motivo foi puramente burocrático: ”continuei a fazer aquilo que eu sabia e aquilo de que gosto. Apesar do Alma Lusa Baixa/Chiado ser uma unidade de alojamento local, não deixou de ter como objetivo a hotelaria. O exercício que fiz foi pensar qual o trajeto que permitiria que este projeto fosse licenciado e rentabilizado o mais depressa possível – o chamado time to market, que é muito importante para quem está a investir - posto que a lei hoteleira tem condicionantes de procedimento avessas à celeridade”. Concluiu que o licenciamento de uma unidade de alojamento local permitia muitas vantagens em relação ao licenciamento clássico, nomeadamente a de centralizar numa única entidade, neste caso a Câmara Municipal de Lisboa, todo o processo e a de ser um licenciamento para habitação, mais flexível no caso de ser necessário adaptar o edifício a outro negócio. “Na altura, em 2013, não havia também limite para o número de unidades de alojamento – passou a haver mais tarde. Sendo uma reabilitação no centro histórico de Lisboa, existiu também a possibilidade de ter a dispensa de bastantes requisitos. No entanto, nem sempre aproveitámos essas dispensas, de maneira a respeitar aquilo que considero ser a arte hoteleira, por um lado e, por outro, normas de segurança fundamentais”.

Bernardo d’Eça Leal, cujo background não é a hotelaria, referiu nunca ter contemplado outro formato para o seu projeto de hospitalidade “out-of-the-box”. De acordo com o mesmo, “fora da caixa” é um conceito que implica uma elasticidade burocrática que a hotelaria tradicional simplesmente não pode satisfazer: “seria um pesadelo licenciar aqueles dois palacetes classificados, com quartos de 50 metros quadrados, tetos trabalhados… e a verdade é que a força da nossa marca vem de sermos um hostel, o que nessa altura era algo de diferente”.

ALOJAMENTO LOCAL: VANTAGENS E DESVANTAGENS

Cristina Siza Viera contextualizou: “Em 2008, a lei hoteleira foi revista e foram eliminadas uma série de categorias, com vista à qualificação da oferta. A figura do Alojamento Local nasce para absorver essas categorias, que não se encaixavam na nomenclatura hoteleira tradicional, e trazer para a legalidade a oferta paralela.  Foi um grande chapéu onde coube toda a realidade existente mas que, neste momento, começa a ser confuso” e lança: “existe, de facto, uma lei com um procedimento muito pesado para fazer hotéis. No entanto, continuam a nascer hotéis e o próprio Miguel Simões de Almeida confessou ponderar passar o seu alojamento local a hotel. Porquê?”

O lado da distribuição, de acordo com Bernardo D’Eça Leal, é uma das grandes vantagens da hotelaria tradicional: “estamos todos nas mesmas montras, mas quando um cliente que não sabe o que é alojamento local faz uma filtragem por hotéis, eu automaticamente desapareço do feed de pesquisas. O próprio nome da categoria “alojamento local” é visto como uma desvantagem, porque, se é um nome que pouco diz aos portugueses, a um estrangeiro ainda menos”. O empresário referiu ainda a ausência de linhas de financiamento específicas para este tipo de oferta, o que é também consequência de no alojamento local coexistirem vários tipos de produtos, entre quartos, apartamentos isolados e oferta estruturada. Por outro lado, a questão do associativismo: “estamos um bocadinho in between hostel e hotel, foi por isso que nos associámos à AHP, uma associação com peso e prestígio, que melhor nos representa”.

 

HOSTELS: O “S” DE SOCIABILIZAÇÃO

A procura da proximidade ao cliente parece ser uma das chaves na distinção entre hostel e hotel. Para Bernardo D’Eça Lealem hotelaria tradicional pensa-se muito no hardware e pouco no software, ou seja, no posicionamento, em quem somos, em quem queremos atrair”. No caso do The Independente, o foco é a sociabilização, não só entre hóspedes, mas entre locais e viajantes: “o hostel está virado para a cidade, e quisemos mostrar que é possível trazer os locals para dentro de um hotel, porque a coisa mais fantástica quando se viaja é sentir que estamos num sítio onde vão os residentes”. Mas quiseram também garantir um ambiente eclético, com uma “mescla de pessoas que gostam de estar juntas, em vez de apostar num único tipo de cliente”. Isto consegue-se, de acordo com o administrador do The Independente Collective, graças à “coragem de, no mesmo espaço, termos quartos a 120 euros e camas a 15 euros. A verdade é que o público tem momentos de consumo diferentes, mas para identificar isso temos de pensar quem é o nosso cliente, como é que vamos posicionar a marca, e como é que nos vamos distribuir”.

 

AMEAÇAS: IMOBILIÁRIO E AEROPORTO

Em relação ao impacto do alojamento turístico nas cidades, Cristina Siza Vieira concluiu: “Estamos a assistir a um shift na indústria do alojamento e chegámos agora a um momento de maturidade em que temos de repensar a lei para responder a esta grande mudança de mentalidade, o que implica repensar também o urbanismo e o planeamento”.

A propósito, Miguel Simões de Almeida garantiu que “estamos numa conjuntura muito favorável, mas é muito difícil fazer negócio, porque há uma tendência de sobrevalorização do património imobiliário, por um lado, e por outro porque não sabemos bem como é que a situação vai evoluir, pelo que qualquer investimento tem de ser avaliado com a devida cautela”. Bernardo D’Eça Leal complementou, reconhecendo que “o regime jurídico do alojamento local deve ser revisto em função do contexto atual, de modo a tornar os centros históricos mais equilibrados e sustentáveis para a população local que será, no fim de contas, aquela que perdurará. Dito isto, é impossível atualizar o diploma sem considerar as inúmeras vantagens económicas que o mesmo proporcionou e continua a proporcionar para essa mesma população local, e não só. Qualquer tipo de revisão que estrangule a atividade pode ter consequências catastróficas ao nível do emprego e da economia desses bairros”.

Ainda em relação a ameaças, o administrador do Grupo AlmaLusa Hotels menciona a falta de capacidade do aeroporto de Lisboa, uma questão que pode comprometer o ritmo de crescimento do turismo em Portugal num futuro muito próximo.

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