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À conversa com Cristina Siza Vieira

Num cenário de crescimento do turismo e da boa recuperação da hotelaria, após os recentes anos de crise para o sector, falámos com Cristina Siza Vieira, Presidente da Direção Executiva da AHP - Associação da Hotelaria de Portugal. Os grandes desafios do sector, a eclosão do Alojamento Local e os seus efeitos, a formação profissional, ou a presença na BTL 2017 foram os temas fundamentais desta entrevista.

 

 

O turismo está claramente em alta. A situação da hotelaria reflecte esse bom momento?

O período entre 2008 e 2012 foi particularmente negativo para a nossa economia e o turismo foi, no quadro das exportações, o sector com um dos melhores desempenhos.

A hotelaria, por sua vez, viveu anos muito difíceis. Desde 2004 dispomos de uma ferramenta, o Hotel Monitor, que mede a performance dos vários tipos de estabelecimentos hoteleiros, como a taxa de ocupação, preços médios, RevPAR, estada média, etc. Os dados estatísticos recolhidos ao longo deste período demonstram que, depois desses anos muito negativos, e apesar de uma ligeira melhoria em 2014, apenas a partir de 2015 se regista uma clara recuperação da hotelaria, voltando aos valores de 2007. Estes últimos anos foram sobretudo essenciais para o balanço, para “oxigenar” a tesouraria e permitir responder melhor ao serviço da dívida. Estamos no bom caminho para vir a sustentar um quadro de robustez financeira das empresas turísticas.

 

E 2017 perspectiva-se como um bom ano?

O que se perspectiva para 2017 é um claro crescimento dos principais indicadores operacionais, ou seja, taxa de ocupação e preço. Para termos uma ideia, no ano passado a taxa de ocupação na hotelaria subiu 5%, para 68%, o preço médio de quarto vendido subiu em média 7,6%, fixando-se nos 80 euros e o RevPar, que é o indicador que melhor prova a rentabilidade (a relação entre a taxa de ocupação e o preço), subiu 13%, fixando-se nos 55 euros. Claro que com os destinos principais a “puxar” os resultados – Lisboa, Madeira, Algarve – mas também com um muito bom desempenho do Porto, que é um destino fantástico e com um crescimento notável, assim como o Alentejo e a zona Centro, mais em razão do mercado nacional. Outro destino a crescer sustentadamente, muito por força da abertura do espaço aéreo, é o arquipélago dos Açores, um dos melhores destinos de natureza do mundo.

Quanto a desafios, permanecem os do costume: a procura tende a concentrar-se no tempo e no espaço. Daí ser essencial trabalhar os destinos mais sazonais, como é o caso do Algarve – onde, felizmente, se estão a criar iniciativas, por parte das entidades públicas e privadas, que permitem uma distribuição da procura durante todo o ano, para além da exclusiva motivação “sol e praia”. Por outro lado, criar estímulos para uma melhor distribuição no território nacional durante todo o ano, e particularmente na época alta, onde há uma grande concentração no sul do país.

 

E em relação a Lisboa, quais são os problemas?

Em Lisboa os desafios são outros. Uma primeira questão, premente, é a do aeroporto. Lisboa tem crescido bastante, porque tem distribuído durante todo o ano vários eventos, congressos e incentivos, para além de ser uma cidade de lazer. Nota-se agora a captação local de uma segunda residência, nomeadamente de franceses, o que alimenta um fluxo muito importante. O perigo de estrangulamento aeroportuário afecta a região e o país. É uma barreira ao crescimento. E a solução já tomada em relação ao Montijo estará concluída dentro de quatro ou cinco anos. Vamos ver…

 

E o Alojamento Local, dentro do conceito de low cost, que implicações tem tido sobre a hotelaria?

Primeiro que tudo, importa referir que o low cost nos transportes aéreos foi, desde logo, uma forma de “democratizar” as viagens e trazer importante fluxo turístico para o nosso país. Por outro lado, algo que já sabemos é que o viajante das companhias low cost não procura necessariamente alojamento low cost.

Quanto ao alojamento local (AL), trata-se de um tipo de alojamento que não está formalmente dentro do leque dos empreendimentos turísticos, embora sirva o mercado do alojamento turístico. Este tipo de alojamento, sobretudo urbano (Lisboa e Porto), não veio propriamente retirar mercado à hotelaria tradicional, uma vez que a taxa de ocupação tem crescido para todos, o número de hotéis também cresceu e prevê-se a construção de novas unidades.

Segundo um estudo desenvolvido pela Nova School of Business and Economics e pela Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, encomendado pela AHP, e lançado em novembro de 2016, revelou-se que o ponto crítico não é tanto o equilíbrio entre o AL e a hotelaria, mas sim e entre o AL e a habitação. Verificou-se que há um desvio muito importante relativamente ao número de fracções registadas no Registo Nacional do Alojamento Local e aquelas que figuram em plataformas on-line, ilegalmente, que é da ordem dos 40%. O estudo indica o peso excessivo do AL em algumas freguesias de Lisboa e o grande aumento directo das rendas e no preço dos imóveis em Lisboa, também na sequência da alteração da Lei do AL de 2014.

É inegável que o AL trouxe um refrescamento ao nível do património que se reabilitou o e deu também nova vida às cidades de Lisboa e Porto. Contudo, dadas as regras com que o AL opera no mercado, talvez fizesse sentido que este migrasse para o leque dos empreendimentos turísticos, ao mesmo tempo que se aliviassem os requisitos destes últimos. Ou seja: as facilidades de instalação e de funcionamento do AL devem ser estendidas a todos, em vez de se manterem dois pesos e duas medidas para o alojamento turístico. Isto vale para as regras de segurança e de higiene, por exemplo. Não faz sentido que um turista utente de AL não usufrua das mesmas regras de proteção oferecidas por um hotel. Mas também vale para as obrigações fiscais ou cumprimento de regras perante a administração pública. Há aqui uma questão de regulação do mercado. Há espaço para todos, mas de forma regulada e ponderada, até porque Lisboa não está a perder turistas. Precisa, sim, de captar e fixar habitantes.

 

E quais as prioridades de actuação da Associação da Hotelaria de Portugal?

Temos várias frentes de actuação, como qualquer associação patronal. Há uma primeira necessidade que é a de conhecer o mercado e identificar quais são dossiers que têm mais impacto no crescimento da indústria; ou seja: conhecimento e informação. Daí a ferramenta Hotel Monitor, que permite conhecer a performance em cada momento nos destinos e nos hotéis, pelas diferentes categorias e que constitui uma ferramenta importante de gestão e de investimento. Depois temos um outro nível de intervenção: a sensibilização junto do poder político e dos órgãos de decisão para criarmos as melhores condições e o melhor quadro económico, social, laboral e jurídico de funcionamento da nossa actividade.

Outra área indispensável é a formação. Esta passa por vertentes como a capacitação dos hotéis para o digital, particularmente nas regiões de convergência, e pelas necessidades em termos teóricos e técnicos dos trabalhadores dos hotéis, assim como a formação no domínio financeiro.

Não menos importante é a dimensão da responsabilidade social e ambiental dos empresários. Por isso a AHP tem em curso um programa que nasceu com o projeto “1 Colchão, 1 Coração”, ativo desde 2013, que envolve um grande número de hotéis e que consiste na doação de bens  e equipamentos que os hotéis renovam periodicamente (como colchões, cobertores, lençóis, eletrodomésticos, móveis, etc.) e que ao abrigo de protocolos celebrados com diversas instituições de solidariedade social, são reintroduzidos na economia social através da AHP. 

 

Por fim, quais são os objectivos da presença da AHP na BTL?

A BTL é de facto a grande oportunidade de todos os sectores e subsectores da actividade turística estarem juntos. A AHP está sempre presente quer como ponto de encontro dos hoteleiros entre si, incluindo os que não têm stand no certame, quer de parceiros e fornecedores da indústria. De resto, os vários seminários que ocorrem na BTL são momentos importantes de partilha de conhecimento.

Como é hábito,  a AHP organiza uma conferência do seu ciclo “Balanço & Perspetivas”. Este ano terá como tema “Portugal & Espanha: Balanço, perspetivas e tendências na hotelaria”. Como é que Espanha e Portugal têm crescido, em que mercados, segmentos, como se posicionam para o futuro, que desafios estão a considerar. Será nosso convidado Jesús Gatell, membro da Direção da CEHAT – Confederación Española de Hoteles y Alojamientos Turísticos e Vice-presidente do ITH - Instituto Tecnológico Hotelero.

Esta é uma aproximação essencial e uma oportunidade importante para conhecer melhor a performance do país vizinho, quer enquanto concorrente, quer enquanto mercado emissor fundamental, quer, finalmente, numa visão de Espanha e Portugal como destinos turísticos que podem cooperar na captação de novos e emergentes mercados.

 

in Atualis por Manuel Paquete

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