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O IVA da Restauração e o Portugal de Província

No início de Março, o Presidente da Apavt foi capa da Publituris com a seguinte afirmação:"Está melhor o sector do que as suas empresas". Por outro lado, o Presidente da CTP refere há muito nos seus discursos que a taxa de ocupação da hotelaria nacional se encontra abaixo do patamar dos 50%. Nas últimas Jornadas da AHRESP, o Presidente do Turismo de Portugal anunciou que em 2015 a hotelaria nacional alcançou uma receita média por quarto de 37,50 euros. E, numa das últimas edições do Publituris, o Presidente da AHP lembrou que "se compararmos 2007 com 2015, ainda não atingimos o preço médio de 2007, quando o preço médio quase que devia ter duplicado". Alavancados pelo bom desempenho de Lisboa, Porto e Algarve, os dados macroeconómicos nacionais dispararam, mas a realidade è que se mantém a forte discrepância entre o clima microeconomia) que vivem as empresas turísticas nestes destinos turísticos de sucesso, daquele que assola o difícil dia-a-dia daquelas em operação na província portuguesa. Na realidade, a crise global de 2008, levou a uma quebra abrupta do número de turistas pela província e pelo interior do País, ou não constituíssem ambos estes mercados, para cima de 75% dos tradicionais frequentadores destas zonas. E para agravar as dificuldades, desde 2011 que tanto empresas da restauração como hotéis de província têm vivido anos dramáticos por via da absurda subida do IVA da restauração, de 13 para 23%. De norte a sul, muitos restaurantes fecharam as portas, outros reduziram os recursos humanos a uma expressão mínima, num perfeito modo de sobrevivência. Inúmeros foram forçados a incorporar nas suas ofertas produtos alimentares de qualidade duvidosa, tais como o panga fish, isto é o peixe-gato do contaminado rio Mekong, ou a perca do Nilo, que até nos chega do igualmente suspeito Lago Niassa, peixes esses que também já foram perfeitamente adoptados em muitos lares portugueses, por via dos apertos financeiros por que passa uma ampla maioria da nossa população, e que, certamente, acarretarão custos sociais no futuro no âmbito da saúde pública. Praticamente toda a hotelaria de província passou a sofrer na pele dificuldades inesperadas, um sufoco financeiro devastador, e uma descapitalização atroz, com natural incidência nos inúmeros projectos hoteleiros mais recentes. Tratando-se de hotelaria de província, temos forçosamente ter uma clara noção do papel social que normalmente essas unidades assumem na sua região e, por conta dessa constatação, do consequente peso que representa a dita "restauração" na sua facturação — isto é, na sua criação de valor, pois que esta se constitui pelas receitas do restaurante em si, isto é, também das celebrações sociais e dos eventos socioprofissionais, tais como banquetes, casamentos, reuniões e conferências, e outros que impliquem aluguer de salas. Assim, com alguma procura durante os fins-de-semana fora de época, e com algum movimento mais acentuado durante os períodos de férias curtas e durante a regular época estival, muitos hotéis por essa província fora chegam mesmo a facturar praticamente tanto em restauração como em alojamento (ou até mais). Ora um enorme boom de investimentos em novas unidades hoteleiras pela província, por via da prometida quimera para o aclamado "cluster" do turismo, ocorreu justamente poucos anos antes desta subida de 10 pontos na taxa do IVA da restauração. Tal alteração abrupta das "regras do jogo" condenou imediatamente ao fracasso inúmeros projectos de investimento recentes, que viram goradas as suas projecções financeiras no que concerne à componente dos resultados líquidos da sua operação de restauração. Para situações de novos empreendimentos teoricamente com o mesmo peso entre receitas de alojamento e de restauração, tal aumento no IVA da restauração teve como contrapartida, apenas e tão só, um decréscimo de 5% nos resultados anuais reais, o que, para projectos normalmente alavancados na banca, constituiu a trágica diferença entre a vida e a morte. Muitas unidades fecharam ou faliram, e muitos dos projectos foram parqueados em fundos, à espera de um bom desfecho, mas, principalmente de forma a aliviarem imparidades bancárias no imediato. A essência do IVA e a sua perversa contranatura em tempos de crise.  
 
Em 1986, vivi nos bancos da faculdade a lufada de ar fresco e o mundo novo que a introdução do IVA prometia à economia do nosso País. Eram gloriosos anos de forte crescimento económico, numa inabalável lógica de sua continuidade, assumindo-se a modernidade do IVA como a evolução fiscalmente justa e equilibrada do imposto ao consumo, pelo que, pela doutrina, o seu aumento apenas levaria "tout court" a um consequente aumento do PVP a ser naturalmente absorvido e incorporado na própria dinâmica do mercado. Mas, no contexto actual, esta ideia não é correcta e obriga-nos a ir à essência deste imposto no que nos diz respeito, isto é, àquilo que é o básico e o crucial para as empresas. O IVA é um imposto sobre o valor acrescentado, isto é, sobre a criação de valor em toda a linha por parte das empresas. Esta criação de valor pelas empresas tem como contrapartida uma natural distribuição das receitas por matérias-primas, pela mão-de-obra, pelos FSEs, pelo capital e demais custos e encargos, dando origem aos resultados - sejam eles lucros ou prejuízos. Pode-se, e deve-se, dizer que, de facto, o IVA é, acima de tudo, também, apenas e tão só, mais um imposto sobre os rendimentos. A diferença relativamente ao IRC é que o IVA é processado antes da distribuição dos resultados, ao passo que o IRC é processado no final do período de actividade, pelo que ambos os impostos acabam, na sua essência, por ser idênticos. Contrariamente à teoria, perante um aumento da taxa do IVA, as empresas dificilmente aumentam os preços de venda dos seus produtos ou serviços no montante desse mesmo aumento. Caso o pudessem, fá-lo-iam ao seu livre arbítrio, antes de qualquer subida do IVA. Na realidade, os preços surgem pelo encontro da oferta com a procura, e o aumento da taxa do IVA não altera em nada esta realidade constante e imutável, pois que esta é que é a lei do mercado concorrencial. Em condições normais, qualquer aumento do IVA não tem de imediato outra repercussão que não uma efectiva diminuição de resultados, isto é, pela redução do valor acrescentado líquido que fica para as empresas pagarem os fornecedores, trabalhadores e os custos fixos e para remunerarem o capital investido pelos empresários. Acontece que, actualmente, vivemos um cenário incomparavelmente diferente daquele que nos ofereciam o promissor ano de 1986 e os demais felizes anos de prosperidade económica que o sucederam. Assim, perante o aumento do IVA em pleno cenário de crise, as empresas não puderam repassar tal aumento para os consumidores através da actualização aritmética dos preços praticados. Para sobreviverem em tal ambiente agreste, a primeira coisa que fizeram foi diminuir o retomo para os próprios empresários, que passaram basicamente a auferir apenas o essencial. Depois, foi a massa salarial a ser reduzida, através do sacrifício de empregos e salários, e, por outro lado, foram os fornecedores a serem obrigados a suportar custos financeiros por extensão dos prazos de pagamento. E, no fim da linha, custos verdadeiramente "fixos", tais como o serviço da dívida, acabaram por ser os últimos a ser alvo de "cuidados especiais", e normalmente de forma musculada por quem detinha os créditos. A médio longo prazo, com o custo das matérias-primas, dos FSEs e dos custos de contexto, e com os consumidores hipersensíveis ao preço, apenas se podia perspectivar um agudizar desta tão estranha quanto difícil forma de vida, com todos os nefastos efeitos já sobejamente conhecidos.  
 
Uma decisão política acertada  
 

Por tudo isso, a prometida reposição do IVA da restauração nos 13%, justifica um forte aplauso por parte do sector ao Governo e ao Primeiro-Ministro, e o agradecimento devido à resiliência da AHRESP. Vai, finalmente, ser invertido todo um ciclo que, durante anos, reduziu a competitividade, os incentivos e os estímulos. Com a reposição do IVA, o sector da oferta turística, nos seus pilares essenciais da hotelaria e da restauração, irá pois ganhar novo alento. Irá consolidar cada vez mais o seu contributo para a economia e para o emprego do País, e servir a sociedade e a cultura portuguesas, e afirmar firmemente o Turismo português e a sua oferta além-fronteiras. E irá, finalmente, viabilizar toda uma oferta hoteleira de província, fora de ambientes urbanos, na qual a restauração tem, e terá sempre, um papel importante a desempenhar.  

 

por Alexandre de Almeida, in Publituris

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