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"Há hotéis a mais e regiões que distorcem o mercado"

Apesar do bom ano turístico, "há hotéis a perder dinheiro todos os dias", alerta Luís Veiga, presidente da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP). Os cortes no orçamento do Turismo de Portugal e a possibilidade de as suas linhas de crédito aos hotéis "passarem a ser uma fonte de financiamento do novo Banco de Fomento, como veio dizer o ministro Poiares Maduro", são questões que vão estar à mesa no congresso da AHP, que decorre em Braga a 20 e 21 de outubro, sob o tema "Re.Evolução — a força de recomeçar".

- Num ano de crescimento turístico, há muitos hotéis insolventes e descapitalizados. Como vê a AHP esta questão?

- Vamos ter um painel forte no nosso congresso sobre financiamento, que é um pilar da sustentabilidade do sector hoteleiro. Há uma sobrecapacidade instalada no país, e Espanha está com o mesmo problema, tem a ver com o excesso de desenvolvimento de imobiliário turístico na última década.

- Há excesso de hotéis em Portugal?

- Há excesso de hotéis, de capacidade instalada, de camas, e vamos terminar o ano com uma taxa de ocupação média de 55%, o que quer dizer que 45% dos quartos não estão a ser vendidos em Portugal. Face aos 50% em 2013, em que o copo estava meio cheio e meio vazio, conseguimos melhorar em cinco pontos percentuais, o que é interessante. Mas atenção: estamos longe ainda das ocupações de 59% que tivemos em 2007 ou de 64% em 2000, e um objetivo claro a ter em mente é chegar lá. Este ano o RevPar (rendimento por quarto disponível) a nível nacional também deverá subir para €36. É muito pouco, e bastante baixo relativamente à concorrência, mas é um número obtido pela primeira vez.

- Com os cortes no Turismo de Portugal, não teme que este deixe de ser um parceiro no financiamento dos hotéis?

- O Turismo de Portugal anunciou que o seu orçamento ia ser reduzido em 30%. O que nos preocupa mais são as linhas de apoio ao financiamento da hotelaria, que têm sido importantíssimas até na tesouraria corrente das empresas e o ministro Poiares Maduro veio dizer que as amortizações desses empréstimos iam deixar de entrar no Turismo de Portugal, passando a ser uma fonte de financiamento do novo Banco de Fomento. Esses reembolsos geravam mais de 50% da receita do Turismo de Portugal, que ao fim e ao cabo é a entidade que nos tem suportado nestes anos de crise, em que os hotéis sofreram bastante. Os hotéis que estavam alavancados em bancos, alguns deles foram parar aos fundos, e os que estavam a ser financiados pelo Turismo de Portugal foram 'ajudados' até com prazos de maturidade mais alargados e a possibilidade de pagamentos parcelares, o que tornou mais fácil esta travessia no deserto. E num cenário de sobrecapacidade hoteleira instalada, é preciso ter noção que este sector tem que ser rentável e tem que ser ajudado.

- O que se prevê ao nível de apoios no próximo QREN para 2020?

- O objetivo aqui é requalificar, pois não vai haver financiamento direto à construção de novos hotéis, e se houver será muito mais seletivo. Mas há a questão das regiões de convergência que acaba por limitar a nossa competitividade a nível nacional. No 'Portugal 2020', o Porto e a região norte vão receber ao todo €3,3 mil milhões, o centro €2,1 mil milhões e o Alentejo €l,5 mil milhões, o que são valores muito elevados. Lisboa terá €800 milhões, e o Algarve, que precisa de um investimento brutal em requalificação, é a nossa região locomotiva e compete com 15 países da bacia do Mediterrâneo, só vai receber €320 milhões, 10% do que recebe o norte.

- Como foi no anterior quadro?

- Isto já no anterior quadro causou enormes distorções no mercado. O norte do país, sobretudo o norte interior, o centro e o Alentejo são as nossas regiões mais débeis, mas as que receberam mais fundos e onde houve maior crescimento hoteleiro (de mais de 70% nos últimos 12 anos). Temos três destinos turísticos — Algarve, Lisboa e Madeira — com taxas de ocupação anuais de 60%, e a média é distorcida com as outras regiões. Na região centro as taxas de ocupação médias são de 30%, e estamos a falar de hotéis que perdem dinheiro todos os dias. Há unidades hoteleiras que estão com graves dificuldades no Alentejo e no interior centro e norte (como Trás-os-Montes) e são estas regiões que vão ter mais fundos no próximo quadro. E os presidentes das CCDR têm aqui interesse em mostrar trabalho, e que a taxa de execução seja de 100%. A nossa pergunta é: onde é que vão gastar esse dinheiro todo?

- O tema do congresso da AHP é 'Re. Evolução'. É preciso uma reviravolta de 360 graus nos hotéis nacionais?

- Em alguns casos, é. Se muitos hotéis não o fizerem, vão continuar a perder dinheiro. Temos de repensar a hotelaria toda no país para sermos competitivos. Um objetivo claro para 2015 é subir o preço médio, também através de maior eficiência na gestão, além do novo marketing. Tudo isso vai ser discutido neste congresso: olhar o que foi feito, ver tendências do mercado, também com oradores internacionais.

- Considera que Portugal se está a colar à imagem de destino barato?

- A nossa relação preço/qualidade é imbatível, e daí também o crescimento do mercado francês, que tradicionalmente iria para outras paragens. Mas temos de conseguir turistas com maior poder aquisitivo. Uma razão para as grandes cadeias internacionais não terem vindo para Lisboa é porque os valores não são apetecíveis. É bom não embandeirarmos em arco e achar que já chegámos ao Nirvana na área do turismo — e anda tudo aí muito excitado. Somos um país dado a euforias e continua a haver excessos no investimento. Segundo dados europeus, o investimento por quarto num hotel económico tem como teto €60 mil e num de luxo €260 mil. Em Paris, estes valores vão até €600 mil. E quando vemos investimentos em Lisboa a atingir os valores de Paris, é preciso alertar os promotores que não temos turistas com poder aquisitivo para tornar rentáveis esse tipo de hotéis. Não entremos mais em loucuras.

in Expresso, por Conceição Antunes

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